Leitura Partilhada
quarta-feira, janeiro 31, 2007
 
"E este livro é um gemido. Escrito ele já o não é o livro mais triste que há em Portugal."

Bernardo Soares
 
terça-feira, janeiro 30, 2007
 
"Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo."

Bernardo Soares, fragmento 443 do Livro do Desassossego
 
  A vida, em Fernando Pessoa
Enigmático, atormentado, introvertido e solitário, fugidio, inovador, instável, tão metódico quanto confuso, soturno, obstinado, sagaz, profundo, múltiplo, insatisfeito, vibrante, estranho, por vezes aniquilado, nostálgico, tão descrente quanto esperançado, para quem o dia é sempre um crepúsculo e não parece existir meio termo. Por tudo isto, ou quase tudo isto, Fernando Pessoa faz-me recordar a negatividade: vazio, escuridão, morte, abandono, entorpecimento, frio, tristeza, cansaço. Não consigo interpretar a sua obra sem deixar de desembocar na derrota e na não-vida, mas sei que estou enganada:

É estranho nunca ver evocada esta evidência: o poder de vida desta obra. (...) Uma coisa é certa: toda a investigação e experimentação de Pessoa (expressa e descrita, sobretudo por Bernardo Soares) visa produzir vida – mesmo que seja necessário passar pela aparente negação ou, mais exactamente, pelo “pôr entre parênteses” da vida comum e da acção. (...) Tantas experiências extraordinárias sobre si próprio, tantas vidas vividas em tão pouco tempo (“envelheci pelas sensações”), tantas regiões incríveis da alma visitadas, tanta inteligência consagrada à criação de dispositivos geradores de fluxos de vida, tanta arte na construção de todos os tipos de sensações – de plenitude e de vazio, de vida e de ausência de vida, de amor e de desertificação de si (pois “grandes são os desertos e tudo é deserto”), da ternura mais pungente à mais extrema ausência de ternura e de humanidade no seu formidável devir-humano – tanta actividade, tanta produtividade, um tão incessante trabalho concentrado numa obra, não puderam realizar-se sem uma enorme capacidade de sentir, de pensar, de assimilar a vida para a preservar, a aumentar e a recriar. (José Gil, in “Fernando Pessoa ou a Metafísica das Sensações”)

azuki
 
segunda-feira, janeiro 29, 2007
 
"Quero que a leitura deste livro vos deixe a impressão de terdes atravessado um pesadelo voluptuoso."

Bernardo Soares, fragmento 215 do Livro do Desassossego.


Gabriel
 
 
"Resume-se tudo enfim em procurar sentir o tédio de modo que ele não doa."

Bernardo Soares, fragmento 404 do Livro do Desassossego
 
  No claustro do mosteiro dos Jerónimos
 
domingo, janeiro 28, 2007
 
O que sentir, quando sabemos i) que não apreciamos um poeta ii) que existem duas razões para o adorarmos?

Primeira razão



Segunda razão

Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser.


azuki

 
  Conselho
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que os outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

Fernando Pessoa


Como se Bernardo Soares escrevesse em verso.

Gabriel
 
sábado, janeiro 27, 2007
 
Uma após uma as ondas apressadas
Enrolam o seu verde movimento
E chiam a alva s’puma
No moreno das praias..
Uma após uma as nuvens vagarosas
Rasgam o seu redondo movimento
E o sol aquece o ‘spaço
Do ar entre as nuvens ‘scassas
Indiferente a mim e eu a ela,
A natureza deste rio calmo
Furta pouco ao meu senso
De se esvair o tempo.
Só uma vaga pena inconsequente
Pára um momento à porta da minha alma
E após fitar-me um pouco
Passa, a sorrir de nada.

Ricardo Reis
23-11-1918


O mar sugere uma agradável nostalgia.

Biblos
 
 
"Quando te vi amei-te já muito antes:
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há cousa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que o não fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro."

Primeiro Fausto, A falência do prazer e do amor - Terceiro Tema - XXI
Fernando Pessoa


Até que Pessoa se revela romantíssimo, como diria o José Dias...

Gabriel
 
  Gosto muito deste poema
Dizem?
Esquecem.

Não dizem?
Disseram.

Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Igual.

Por quê
Esperar?
- Tudo é
Sonhar.

Fernando Pessoa


Deve ser dos poucos poemas em que ele alcança uma certa serenidade (ver penúltima estrofe). É um alento, em se tratando de Pessoa.

Gabriel
 
  Eu também (ii)
"Busco - não encontro. Quero, e não posso."

Bernardo Soares, fragmento 218 do Livro do Desassossego.


Gabriel
 
sexta-feira, janeiro 26, 2007
  Grandes Portugueses
Aguardo, com curiosidade, o documentário que Clara Ferreira Alves preparou para a defesa do seu candidato. Nada mais justo que Fernando Pessoa se encontre na lista dos dez, ele que foi um homem de dimensão verdadeiramente europeia (o que é tão pouco português).

Como referiu Beatriz Pacheco Pereira, esta é uma lista que tem muito a ver com o poder e com a masculinidade, o que até faz sentido, (i) num País em que o lado feminino da sociedade foi, durante décadas a fio, tranquilamente amordaçado e encaminhado para a cozinha e para o quarto das crianças (algo que poderemos agradecer, ou não, a um dos elementos da lista), (ii) uma vez que nunca tivemos especial apetência para acarinhar a arte e a ciência e (iii) porque é a detenção do poder que permite dar forma ao desejo.

Assim, e embora o meu coração penda para Aristides de Sousa Mendes (“o que faz Aristides no meio destes nove?”, pergunta o Comendador Marques de Correia), exemplo de generosidade e de altruísmo, rendo-me à evidência da masculinidade e do poder e escolho D. João II, outro português com características tão pouco portuguesas: sabia o que queria para o País e possuía uma estratégia.

Nesta lista, votada pelos portugueses, não posso deixar de lamentar a presença de dois homens que, embora incontornáveis na história do Portugal contemporâneo, representam duas formas de totalitarismo e de intolerância, Salazar e Cunhal (que ilação tirou, quem neles votou, destes últimos 30 anos?), a par da ausência de quem sempre lutou pela liberdade, Mário Soares (ele está vivo e bem vivo, deve ser por isso!).

azuki

Mas, quem eu escolheria, abolindo fronteiras e violando as regras do jogo, e já que estamos todos a escolher pessoas que pouco têm de portugueses, seria (abstraindo-me da sua afectividade glacial) o Sr. Gulbenkian (nunca esquecendo o hábil papel do Dr. Azeredo Perdigão, sobretudo na interpretação/concretização das disposições testamentárias). Muito mais do que a sua inestimável intervenção nos vectores Arte-Ciência-Educação-Beneficência ao longo destes 50 anos, o grande legado da Fundação Gulbenkian é o seu exemplo. Um exemplo que é, mais uma vez, muito pouco português.
 
  Só para não passar em brancas nuvens
O primeiro verso de Hora Absurda é um daqueles momentos que justificam a frase de Pound: "é melhor apresentar uma só Imagem numa vida inteira do que publicar livros volumosos":

O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...

Gabriel
 
  Eu também
"Afinal deste dia fica o que de ontem ficou e ficará de amanhã: a ânsia insaciável e inúmera de ser sempre o mesmo e o outro."

Bernardo Soares, fragmento 343 do Livro do Desassossego


Gabriel
 
quinta-feira, janeiro 25, 2007
  Loucura partilhada
Alguns trechos do conto "O demônio da perversidade" (1845), de Edgar Allan Poe:

"Não há homem que, em algum momento, não tenha sido atormentado, por exemplo, por um agudo desejo de torturar um ouvinte por meio de circunlóquios. Sabe que desagrada. Tem toda a intenção de desagradar. Em geral é conciso, preciso e claro. Luta, em sua língua, por expressar-se, a mais lacônica e luminosa linguagem. Só com dificuldade consegue evitar que ela desborde. Teme e conjura a cólera daquele a quem se dirige. Contudo, assalta-o o pensamento de que essa cólera pode ser produzida por meio de certas tricas e parêntesis. Basta esta idéia. O impulso converte-se em desejo, o desejo em vontade, a vontade numa ânsia incontrolável, e a ânsia (para profundo remorso e mortificação de quem fala e num desafio a todas as consequências) é satisfeita.
Temos diante de nós uma tarefa que deve ser rapidamente executada. Sabemos que retardá-la será ruinoso. A mais importante crise de nossa vida requer, imperiosamente, energia imediata e ação. Inflamamo-nos, consumimo-nos na avidez de começar o trabalho, abrasando-se de toda a nossa alma, na antecipação de seu glorioso resultado. É forçoso, é urgente que ele seja executado hoje e contudo adiamo-lô para amanhã. Por que isso? Não há resposta, senão de que sentimos a perversidade do ato, usando o termo sem compreender-lhe o princípio. Chega o dia seguinte e com ele mais impaciente ansiedade de cumprir nosso dever, mas com todo esse aumento de ansiedade chega também um indefinível e positivamente terrível, embora insondável, anseio extremo de adiamento. Trememos à violência do conflito que se trava dentro de nós, entre o definido e o indefinido, entre a substância e a sombra. Mas se a contenda se prologa a este ponto, é a sombra quem prevalece. Foi vã a nossa luta. O relógio bate e é o dobre de finados de nossa felicidade. Ao mesmo tempo é a clarinada matinal para o fantasma, que por tanto tempo nos intimidou. Ele voa. Desaparece. Estamos livres. Volta a antiga energia. Trabalharemos agora. Ai de nós porém, é tarde demais!
(...) E porque nossa razão nos desvia violentamente da borda do precipício, por isso mesmo mais impetuosamente nos aproximamos dela. Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente, como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar. Deter-se, um instante que seja, em qualquer concessão a essa idéia, é estar inevitavelmente perdido, pois a reflexão nos ordena que fujamos sem demora e, portanto, digo-o, é isto mesmo que não podemos fazer. Se não houver um braço amigo que nos detenha, ou se não conseguirmos, com súbito esforço, recuar da beira do abismo, nele nos atiraremos e destruídos estaremos.
Examinando ações semelhantes, como fazemos, descobriremos que elas resultam tão somente do espírito da Perversidade. Nós as cometemos, porque sentimos que não deveríamos fazê-lo."


Em 1857, Charles Baudelaire publica As flores do mal, donde temos:

O Heautontimoroumenos

Sem cólera te espancarei,
Como o açogueiro abate a rês,
Como Moisés à rocha fez!
De tuas pálpebras farei,

Para o meu Saara inundar,
Correr as águas do tormento.
O meu desejo ébrio de alento
Sobre teu pranto irá flutuar

Como um navio no mar alto,
E em meu saciado coração
Os teus soluços ressoarão
Como um tambor que toca o assalto!

Não sou acaso um falso acorde
Nessa divina sinfonia,
Graças à voraz Ironia
Que me sacode e que me morde?

Em minha voz é ela quem grita!
E anda em meu sangue envenenado!
Eu sou o espelho amaldiçoado
Onde a megera se olha aflita.

Eu sou a faca e o talho atroz!
Eu sou o rosto e a bofetada!
Eu sou a roda e a mão crispada,
Eu sou a vítima e o algoz!

Sou um vampiro a me esvair
- Um desses tais abandonados
Ao riso eterno condenados,
E que não podem mais sorrir!


Agora alguns trechos de "Memórias do Subterrâneo" (1864), de Dostoievski:

"No entanto conservo a firme convicção de que não só a consciência demasiada constitui uma doença, como de que a consciência, só por si, por pouca que seja, já o é também. E afirmo-o! Mas deixemos isto por um momento e digam-me por que é que, quando me sentia mais capaz de compreender as delicadezas de tudo quanto é belo e sublime, como dizia dantes, me sucedia perder toda a consciência e cometer atos reprováveis... Atos que... Atos que todos cometem, não há dúvida... mas que eu cometi precisamente no instante em que mais claramente compreendia que não se devem cometer. Quanto mais eu admirava o belo e o sublime, mais profundamente me enterrava no lamaçal e mais se desenvolvia em mim essa capacidade de me atolar. O pior era que isto não me acontecia por casualidade, mas como se eu tivesse pensado que assim devia ser, absolutamente. Na realidade, isso não era uma falta, tampouco uma doença; era o meu estado normal. De maneira que nem sequer sentia o menor desejo de combater esse defeito. Acabei por persuadir-me de que esse era o meu estado normal (e pode ser que assim o acreditasse realmente). Mas antes de chegar a esse ponto, a princípio, quantos sofrimentos não tive de suportar nessa briga! Não acreditava que acontecesse o mesmo aos outros homens, e durante toda a minha vida guardei isto no meu íntimo, como um segredo. Envergonhava-me disto (e talvez ainda continue a envergonhar-me)." - cap. II

"E agora pergunto-lhes: que pode esperar-se do homem, de um ser dotado de tão estranhas qualidades? Cumulem-no de benesses, atafulhem-no de aventuras, proporcionem-lhe uma satisfação econômica tal que não tenha mais nada a fazer senão dormir, comer melaço e procurar que a história universal não se interrompa; pois até assim, por ingratidão, por maldade, o homem há de cometer infâmias. Atirará fora o seu melaço e desejará propositadamente absurdos capazes de levá-lo à perdição, coisas insensatas e inúteis, só para acrescentar a essa prudência positiva um elemento destruidor fantástico. O homem deseja a todo custo conservar seus quiméricos sonhos, a sua rasteira sandice, só com o fim de afirmar a si próprio (como se fosse muito necessário) que os homens são homens e não pianos, que obedecem às leis da Natureza. Mais: ainda no caso de que efetivamente fosse apenas um piano, se lho demonstrassem por meio das ciências naturais e matemáticas, nem por isso voltaria a si, e, pelo contrário, faria qualquer coisa propositadamente, apenas por ingratidão; para falar com propriedade, pode sair-se com uma das suas. No caso de não poder proceder assim, imaginaria a destruição e o caos e toda a casta de pragas. Encheria o mundo de maldições! e como só o homem tem a faculdade de amaldiçoar (é privilégio seu, que o distingue principalmente dos outros animais), conseguiria tudo com essas maldições; quer dizer, ficaria convencido que de é homem e não piano. Se dizem tudo isso pode prever-se por meio da lista: o caos, o transtorno e a maldição, que a mera possibilidade de um cálculo prévio pode abranger tudo isso, e que a razão acabará por ter razão e atuar em obediência ao seu capricho. Assim o creio e o afirmo, porque toda a ocupação humana consiste precisamente em o homem provar a cada instante e a si próprio que é homem e não piano!" - cap. IX


Por fim, Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, composto já nas primeiras décadas do século XX:

"Estabelecer teorias, pensando-as paciente e honestamente, só para depois agirmos contra elas - agirmos e justificar as nossas ações com teorias que as condenam. Talhar um caminho na vida, e em seguida agir contrariamente a seguir por esse caminho. Ter todos os gestos e todas as atitudes de qualquer coisa que nem somos, nem pretendemos ser, nem pretendermos ser tomados como sendo.
Comprar livros para não os ler; ir a concertos nem para ouvir a música nem para ver quem lá está; dar longos passeios por estar farto de andar e ir passar dias no campo só porque o campo nos aborrece." - fragmento 23

"Tendo visto com que lucidez e coerência lógica certos loucos (delirantes sistematizados) justificam a si próprios e aos outros, as suas idéias delirantes, perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez". - fragmento 430


Gabriel
 
 
"A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final."

Bernardo Soares, fragmento 375 do Livro do Desassossego
 
quarta-feira, janeiro 24, 2007
  Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Fernando Pessoa

Pessoa colecciona protótipos (o seu fingimento é uma construção através da qual explora sensações que ele próprio não tem mas que poderia ter, caso fosse outro ou outras as circunstâncias da sua vida; ou seja, o seu fingimento é verosímil e permite-lhe percorrer o largo espectro das potencialidades da sua mente). Uma outra leitura sugere-me que Pessoa poderá pretender dizer-nos que o conhecimento de nós próprios é mero fingimento porque impossível...

Esta, é a minha forma simplista de ler o fingimento pessoano. Uma forma interessante e complexa, a todos os títulos extraordinária, é a de José Gil: A arte de fingir e de simular é paradoxal: eu é um outro, a sensação que sinto não é aquela que sinto. A Autopsicografia exprime-se por meio de paradoxos: o poeta chega ao ponto de fingir a dor que sente realmente. A dor não é fingida nem real, é construída. A arte poética da insinceridade diz-nos que não se trata nem simplesmente de simular, nem unicamente de se conhecer a si próprio, fingindo ser-se um outro, mas de se construir como um outro; pois só construindo-nos assim nos podemos conhecer fingindo. (in "Fernando Pessoa ou a Metafísica das Sensações")

azuki
 
terça-feira, janeiro 23, 2007
  Não ser, através de Reis
Poucos meses antes da sua morte, em Jan/1916, Mário de Sá-Carneiro escreve a Fernando Pessoa: Cada vez posso menos deixar de ser Eu - e cada vez sofro mais por ser Eu. Através de Reis, e mais do que com qualquer outro heterónimo ou pseudónimo, Pessoa conseguiu não ser, tal como o seu amigo desejaria.

azuki
 
segunda-feira, janeiro 22, 2007
  Project Gutenberg em Português
O Projecto Gutenberg, a mais antiga biblioteca electrónica do Mundo, já está disponível em Português, na Internet. Os milhares de livros-e disponibilizados gratuitamente no PG são produzidos por voluntários de todo o Globo, sozinhos ou no sítio de revisão colectiva Distributed Proofreaders. A nova versão pretende aumentar as taxas de literacia e a produção de livros electrónicos gratuitos no Mundo de Expressão Portuguesa. Espera-se, dentro de uma década, ocupar a terceira posição no número de obras em línguas europeias. Um objectivo ousado, que depende da capacidade de mobilização de toda a Comunidade Lusófona. Qualquer pessoa pode ser um voluntário. Apenas precisa de um livro velho. E de amor pelas Letras em Língua Portuguesa. Mais pormenores nesta página.

Ricardo F. Diogo
 
  Não quero, Cloe, teu amor, que oprime / Porque me exige amor. Quero ser livre.
Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre.
O mesmo amor que tenham
Por nós, quer-nos, oprime-nos.

**

Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.

**

Não quero, Cloe, teu amor, que oprime
Porque me exige amor. Quero ser livre.

A 'sperança é um dever do sentimento.

Ricardo Reis


Isto dos afectos é uma verdadeira prisão. Ter que comer e que respirar também me parece um bocado redutor.

azuki
 
domingo, janeiro 21, 2007
 
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
(...)

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

(...)

Ricardo Reis

A obra de Reis entedia-me e horroriza-me.
Pobre Lídia.

azuki
 
sábado, janeiro 20, 2007
  O alheio
"Todos os dias acontecem no mundo coisas que não são explicáveis pelas leis que conhecemos das coisas. Todos os dias, faladas nos momentos, esquecem, e o mistério que as trouxe as leva, convertendo-se o segredo em esquecimento. Tal é a lei do que tem que ser esquecido porque não pode ser explicado. À luz do sol continua regular o mundo visível. O alheio espreita-nos da sombra."

Bernardo Soares, fragmento 424 do Livro do Desassossego, itálicos meus


Talvez um flerte com o surrealismo: a verdadeira existência é alheia. (Aliás, seria interessante alguém pesquisar, se é que já não há, semelhanças entre os escritos de FP e o surrealismo.)
Colho num ensaio de Marcelo Coelho, "Poesia e Matéria" (Poetas que pensaram o mundo, Companhia das Letras), um ponto de contato entre Fernando Pessoa e Francis Ponge (curiosamente: dois FP) - "Ponge diz: Minhas senhoras, meus senhores [...] quero chamar a atenção para um fato geralmente pouco considerado, que parece, no entanto, evidente tão logo o encaramos: Nós não estamos sozinhos aqui. Nós não estamos longe de estar entre nós".

Gabriel
 
sexta-feira, janeiro 19, 2007
  O tédio
"Cheguei àquele ponto em que o tédio é uma pessoa, a ficção encarnada do meu convívio comigo." - fragmento 382

"O tédio é, sim, o aborrecimento do mundo, o mal-estar de estar vivendo, o cansaço de se ter vivido; o tédio é, deveras,
a sensação carnal da vacuidade prolixa das coisas. Mas o tédio é, mais do que isto, o aborrecimento de outros mundos, quer existam quer não; o mal-estar de ter que viver, ainda que outro, ainda que de outro modo, ainda que noutro mundo; o cansaço, não só de ontem e de hoje, mas de amanhã também, da eternidade, se a houver, e do nada, se é que ele é a eternidade. Nem é só a vacuidade das coisas e dos seres que dói na alma quando ela está em tédio: é também a vacuidade de outra coisa qualquer, que não as coisas e os seres, e a vacuidade da própria alma que sente o vácuo, que se sente vácuo, e que nele de si se enoja e se repudia.
O tédio é a sensação física do caos, e de que o caos é tudo. O aborrecido, o mal-estante, o cansado sentem-se presos numa cela estreita. O desgostoso da estreiteza da vida sente-se algemado numa cela grande. Mas o que tem tédio sente-se preso em liberdade fruste numa cela infinita." - fragmento 381, itálicos meus

Bernardo Soares, Livro do Desassossego

Esta última definição me assombra.

Gabriel
 
quinta-feira, janeiro 18, 2007
 
para a Lídia


Deus Pã - Pompeia

Lídia, nunca te li um verso. O Ricardo tomava conta de tudo, as odes e as iniciativas. Não sei se alguma vez reagiste, se disseste não, não, deixa ficar a tua mão na minha, esquece a Neera , a Cloe. Que Pã cumpra também o seu destino. Enlacemos as mãos, enlacemos os corpos. Não temos a eternidade. A César o que é de César e ao homem o que é.

...
laerce
 
quarta-feira, janeiro 17, 2007
 
"E reparei que o mal mais se vê que se sente, a alegria mais se sente do que se vê."

Bernardo Soares, fragmento 421 do Livro do Desassossego

Gabriel
 
terça-feira, janeiro 16, 2007
 
Prefiro rosas, meu amor, à pátria
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.

Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.

Que importa àquele a quem já nada importa
Que um peca e outro vença,
Se a aurora raia sempre.

Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o Outono cessam?

E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?

Nada, salvo o desejo de indif'rença
E a confiança mole
Na hora fugitiva

Ricardo Reis
1-6-1916

Desprendimento e algum desespero mas talvez uma forma indolor de encarar a vida.

Biblos
 
segunda-feira, janeiro 15, 2007
 
Quinta da Regaleira




Deixo os quatro sentados à mesa. Pode ser o Martinho da Arcada ou a Brasileira. Porque não outro qualquer café de qualquer cidade onde alguém ousa olhar-se numa língua de saudade e ânsia? Levo comigo a Mensagem, o único livro publicado em vida por Fernando António Nogueira Pessoa. Vou para Sintra, para a Quinta da Regaleira. Lá, no frondoso jardim, na mata, iniciarei uma viagem de descoberta. Sigo as indicações da própria obra. Haverá um momento em que compreenderei o Brasão, depois o Mar Português, e por fim o Encoberto. A Mensagem é uma obra cheia de códigos que é preciso decifrar. A Quinta da Regaleira também.


imagem


...
laerce
 
domingo, janeiro 14, 2007
  identidade sem bilhete (iv)
"Ninguém compreende outro. Somos, como disse o poeta, ilhas no mar da vida; corre entre nós o mar que nos define e separa. Por mais que uma alma se esforce por saber o que é outra alama, não saberá senão o que lhe diga uma palavra - sombra disforme no chão do seu entendimento.
Amo as expressões porque não sei nada do que exprimem. Sou como o mestre de Santa Marta: contento-me com o que me é dado. Vejo, e já é muito. Quem é capaz de entender?

Talvez seja por este cepticismo do inteligível que eu encaro de igual modo uma árvore e uma cara, um cartaz e um sorriso. (Tudo é natural, tudo artificial, tudo igual.)
(...)
Sei eu sequer se sinto, se penso, se exiso? Nada: só um esquema objetivo de cores, de formas, de expressões de que sou o espelho oscilante por vender inútil."

Bernardo Soares, fragmento 359 do Livro do Desassossego

Novamente, aqui se revela a incomunicabilidade e a incompreensão humanas mesmo no esforço e no anseio de compreender o outro: "sombra disforme no chão do seu entendimento".
Me agrada esta visão, mesmo que pessimista, da "condição humana". Por vezes, as coisas terminam bem porque deram errado, uma verdadeira comédia. Sou mais na base de André Maulrax: não se conhece jamais uma pessoa; deixamos, às vezes, de sentir que a ignoramos. E também, qual a graça de conhecer alguém por dentro e por fora? O mistério é necessário ("Basta-nos, se pensarmos, a incompreensibilidade do universo; querer compreendê-lo é ser menos que homens, porque ser homem é saber que não se compreende" - fragmento 87).

Gabriel
 
sábado, janeiro 13, 2007
 
"Penso, às vezes, com um deleite triste, que se um dia, num futuro a que eu já não pertença, estas frases, que escrevo, durarem com louvor, eu terei enfim a gente que me 'compreenda', os meus, a família verdadeira para nela nascer e ser amado. Mas, longe de eu nela ir nascer, eu terei já morrido há muito. Serei compreendido só em efígie, quando a afeição já não compense a quem morreu a só desafeição que houve, quando vivo.
Um dia talvez compreendam que cumpri, como nenhum outro, o meu dever-nato de intéprete de uma parte do nosso século; e, quando o compreendam, hão-de escrever que na minha época fui incompreendido, que infelizmente vivi entre desafeições e friezas, e que é pena que tal me acontecesse. E o que escrever isto será, na época em que o escrever, incompreendedor, como os que me cercam, do meu análogo daquele tempo futuro. Porque os homens só aprendem para uso dos seus bisavós, que já morreram. Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver."

Bernardo Soares, fragmento 191 do Livro do Desassossego, itálicos meus.


Nem queira ver a quantidade de lixos que lhe são atribuídos diariamente na blogosfera, Fernando, nem queira ver. Vai longe esse tempo.

Gabriel
 
sexta-feira, janeiro 12, 2007
 
hora do MoSTRENgo





O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa, MENSAGEM


imagem:Philip Plisson


...
laerce
 
quinta-feira, janeiro 11, 2007
  Belíssima imagem
"Busco-me e não me encontro. Pertenço a horas crisântemos, nítidas em alongamentos de jarros."

Bernardo Soares, fragmento 134 do Livro do Desassossego.

Ler este livro é, para mim, a metáfora da rosa com espinhos: há tanta tragédia e melancolia nele impregnados, mas é com tamanha felicidade que o leio!

Gabriel
 
quarta-feira, janeiro 10, 2007
  "A vida está cheia de paradoxos como as rosas de espinhos"
Um dos provérbios orientais mais conhecidos é aquele que diz: abdica do que desejas, pois assim terás o que queres.

Bernardo Soares (fragmento 322) corrobora:

"Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar. A vida está cheia de paradoxos como as rosas de espinhos".

O Livro do Desassossego: um paradoxo em si, ourobouros: o livro que não pode terminar porque nunca começou: Fernando Pessoa, sempre à caça dos outros, sempre tentando pegar a própria sombra.

Gabriel
 
  - Pergunta-me se creio no ocultismo.
(…) Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subtilizando-se até se chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não.

(…) Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação directa com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos.

Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas como as do espiritismo (…)), caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm.

Quanto a «iniciação» ou não, posso dizer-lhe só isto (…): não pertenço a Ordem Iniciática nenhuma.


Carta a Adolfo Casais Monteiro (Lisboa, 13 de Janeiro de 1935)
 
terça-feira, janeiro 09, 2007
 
"Tudo quanto de desagradável nos sucede na vida - figuras ridículas que fazemos, maus gestos que temos, lapsos em que caímos de qualquer das virtudes - deve ser considerado como meros acidentes externos, impotentes para atingir a substância da alma. Tenhamo-los como dores de dentes, ou calos, da vida, coisas que nos incomodam mas são externas ainda que nossas, ou que só tem que supor a nossa existência orgânica ou que preocupar-se o que há de vital em nós.
Quando atingimos esta atitude, que é, em outro modo, a dos místicos, estamos defendidos não só do mundo mas de nós mesmos, pois vencemos o que em nós é externo, é outrem, é o contrário de nós e por isso o nosso inimigo.
Disse Horácio, falando do varão justo, que ficaria impávido ainda que em torno dele ruísse o mundo. A imagem é absurda, justo o seu sentido. Ainda quem em torno de nós rua o que fingimos que somos, porque coexistimos, devemos ficar impávidos - não porque sejamos justos, mas porque somos nós, e sermos nós é nada ter que ver com essas coisas externas que ruem, ainda que ruam sobre o que para ela somos.
A vida deve ser, para os melhores, um sonho que se recusa a confrontos."

Bernardo Soares, fragmento 162 do Livro do Desassossego, itálicos meus.

Uma atitude cool para a vida: fechar-se na concha, subir ao castelo, e, mesmo que tenha que morar debaixo da ponte, conservar a pose. Será uma postura budista, essa de defender-se do eu? O que atingirá a alma, afinal? Como é que poderá o eu ruir desta maneira?...Há eu?

Gabriel
 
segunda-feira, janeiro 08, 2007
  identidade sem bilhete (iii)
"A alma humana é um manicômio de caricaturas. Se uma alma pudesse revelar-se com verdade, nem houvesse um pudor mais profundo que todas as vergonhas conhecidas e definidas, seria, como dizem da verdade, um poço, mas um poço sinistro cheio de ecos vagos, habitado por vidas ignóbeis, viscosidades sem vida, lesmas sem ser, ranho da subjectividade".

Bernardo Soares, fragmento 242 do Livro do Desassossego (2006, Companhia de Bolso).


Álvaro de Campos: sou um internado num manicômio sem manicômio. E a discussão toda sobre a impossibilidade de se conhecer a si mesmo, agora do ponto de vista do ajudante de guarda livros.
Encarar Fernando Pessoa não é das aventuras mais agradáveis na vida de um leitor.

Gabriel
 
domingo, janeiro 07, 2007
  identidade sem bilhete (ii)
Roubo o título da laerce para acrescentar outro poema de Ricardo Reis:


Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.

Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa conosco,
Que passamos com ela.

Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor é a vida
Que dura sem medir-se.


Agora nem é mais "a aceitação do falso como verdadeiro", é a impossibilidade de se conhecer o outro - tecla também muito martelada por Bernardo Soares - e a si mesmo. O sofrimento, para Reis, é superado graças à renúncia. E o segundo verso me lembra um trecho de Rimbaud, que Pessoa devia conhecer, mas, veja só, ignorou: "não desça demasiado profundamente em si mesmo, para não encontrar a lama da melancolia, fundo de todos os pensamentos". Dessa lama Pessoa não conseguiu escapar.

Gabriel
 
sábado, janeiro 06, 2007
 

Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(Se ela tivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.

E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?


azuki
 
 
Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre: quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.

Ricardo Reis


Curiosa a visão de Reis: quem nos ama não menos nos limita. Muitos sonham com o grande amor que virá libertar a alma de todas as convenções, elevar o coração às alturas, um verdadeiro encantamento, e por fim terminam por encontrar a terrível limitação - ciúme, problemas de consciência, afeto demasiado. Talvez o grande mal: amor em excesso. O homem mata aquilo que ama, mister Wilde...

Gabriel
 
sexta-feira, janeiro 05, 2007
  SAUDADE DADA
Fiquei perplexa, quando li este poema. Há qualquer coisa de pueril, parece que está a brincar connosco. Que sonoridade tão estranha tem esta folia canora.

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!

E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos...
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.
azuki
 
quinta-feira, janeiro 04, 2007
  Para ser grande

Em algum dos seus ensaios, Pessoa ressalva que a arte grega é clássica porque é fria, isto é, pode ser lida em todas as épocas porque é fruto do sentimento/emoção transformados pela razão.

Ricardo Reis, de todos que compõem o teatro dos heterônimos, é o clássico por excelência: tanto nos temas como na forma - decassílabos perfeitos entremeados a hexassílabos: carpe diem, fugere urbem, etc.

É, por isso, o mais frio: não tem o arrebatamento Campos, não tem a aprendizagem de desaprender da escola Caeiro e nem o amargor sem saída de Pessoa. Reis: uma melancolia serena abraçada a Lídia.

Apesar disso, dos quatro, é dele meu poema predileto:

Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilha, porque alta vive.


Gabriel
 
quarta-feira, janeiro 03, 2007
 
identidade sem bilhete

Um de cada lado da mesa, os dois olham-se. Fernando olha Reis e Ricardo olha Pessoa. A ode está estendida como uma toalha sobre a qual pairam os deuses, todos os que Ricardo ama. Ouve-se o vento nas velas e adivinha-se o Mostrengo, mas D. João, o segundo, anda por ali à volta deles e as Ilhas Afortunadas ganham forma por entre a neblina marítima. Apesar do conforto da presença de tal figura régia, Ricardo sente uma tristeza profunda em Fernando e começa a recitar uma ode para o tranquilizar. Diz Ricardo: Pouco os deuses nos dão e o pouco é falso. Fernando sorri. Um cansaço estético-literário adivinha-se no olhar dentro do qual um fingidor poeta se vê num comboio de corda no plaino abandonado. Ricardo continua: Porém, se o dão, falso que seja a dádiva/É verdadeira. Aceito. Fernando observa a postura solene de Ricardo, o tom eloquente da voz. Sabe que diante de Lídia diz-se e desdiz-se nesse mesmo tom e as mãos nunca chegam a enlaçar-se. Fernando compreende a razão, ele sabe que Ricardo não tem mãos, não tem corpo. Apenas as odes e o nome assinado pelo punho de outro. E nesta aceitação do falso como verdadeiro pronuncia os versos de Ricardo: Cerro os olhos: é bastante. /Que mais quero?
.
.
.
Ode
Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito,
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?
Ricardo Reis
.
...
laerce
 
  Como escrevo em nome desses três?...
(…) pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática, pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria, pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida.
(…)
Como escrevo em nome desses três?...
Caeiro, por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular o que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas cousas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.)

Carta a Adolfo Casais Monteiro (Lisboa, 13 de Janeiro de 1935)
 
terça-feira, janeiro 02, 2007
 
 
segunda-feira, janeiro 01, 2007
 
Bom ano a toda a blogosfera
 

O QUE ESTAMOS A LER

(este blogue está temporariamente inactivo)

PROXIMAS LEITURAS

(este blogue está temporariamente inactivo)

LEITURAS NO ARQUIVO

"ULISSES", de James Joyce (17 de Julho de 2003 a 7 de Fevereiro de 2004)

"OS PAPEIS DE K.", de Manuel António Pina (1 a 3 de Outubro de 2003)

"AS ONDAS", de Virginia Woolf (13 a 20 de Outubro de 2003)

"AS HORAS", de Michael Cunningham (27 a 30 de Outubro de 2003)

"A CIDADE E AS SERRAS", de Eça de Queirós (30 de Outubro a 2 de Novembro de 2003)

"OBRA POÉTICA", de Ferreira Gullar (10 a 12 de Novembro de 2003)

"A VOLTA NO PARAFUSO", de Henry James (13 a 16 de Novembro de 2003)

"DESGRAÇA", de J. M. Coetzee (24 a 27 de Novembro de 2003)

"PEQUENO TRATADO SOBRE AS ILUSÕES", de Paulinho Assunção (22 a 28 de Dezembro de 2003)

"O SOM E A FÚRIA", de William Faulkner (8 a 29 de Fevereiro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. I - Do lado de Swann)", de Marcel Proust (1 a 31 de Março de 2004)

"O COMPLEXO DE PORTNOY", de Philip Roth (1 a 15 de Abril de 2004)

"O TEATRO DE SABBATH", de Philip Roth (16 a 22 de Abril de 2004)

"A MANCHA HUMANA", de Philip Roth (23 de Abril a 1 de Maio de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. II - À Sombra das Raparigas em Flor)", de Marcel Proust (1 a 31 de Maio de 2004)

"A MULHER DE TRINTA ANOS", de Honoré de Balzac (1 a 15 de Junho de 2004)

"A QUEDA DUM ANJO", de Camilo Castelo Branco (19 a 30 de Junho de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. III - O Lado de Guermantes)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2004)

"O LEITOR", de Bernhard Schlink (1 a 31 de Agosto de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. IV - Sodoma e Gomorra)", de Marcel Proust (1 a 30 de Setembro de 2004)

"UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES" e outros, de Clarice Lispector (1 a 31 de Outubro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. V - A Prisioneira)", de Marcel Proust (1 a 30 de Novembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", de José Saramago (1 a 21 de Dezembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ", de José Saramago (21 a 31 de Dezembro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VI - A Fugitiva)", de Marcel Proust (1 a 31 de Janeiro de 2005)

"A CRIAÇÃO DO MUNDO", de Miguel Torga (1 de Fevereiro a 31 de Março de 2005)

"A GRANDE ARTE", de Rubem Fonseca (1 a 30 de Abril de 2005)

"D. QUIXOTE DE LA MANCHA", de Miguel de Cervantes (de 1 de Maio a 30 de Junho de 2005)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VII - O Tempo Reencontrado)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2005)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2005)

UMA SELECÇÃO DE CONTOS LP (1 a 3O de Setembro de 2005)

"À ESPERA NO CENTEIO", de JD Salinger (1 a 31 de Outubro de 2005)(link)

"NOVE CONTOS", de JD Salinger (21 a 29 de Outubro de 2005)(link)

Van Gogh, o suicidado da sociedade; Heliogabalo ou o Anarquista Coroado; Tarahumaras; O Teatro e o seu Duplo, de Antonin Artaud (1 a 30 de Novembro de 2005)

"A SELVA", de Ferreira de Castro (1 a 31 de Dezembro de 2005)

"RICARDO III" e "HAMLET", de William Shakespeare (1 a 31 de Janeiro de 2006)

"SE NUMA NOITE DE INVERNO UM VIAJANTE" e "PALOMAR", de Italo Calvino (1 a 28 de Fevereiro de 2006)

"OTELO" e "MACBETH", de William Shakespeare (1 a 31 de Março de 2006)

"VALE ABRAÃO", de Agustina Bessa-Luis (1 a 30 de Abril de 2006)

"O REI LEAR" e "TEMPESTADE", de William Shakespeare (1 a 31 de Maio de 2006)

"MEMÓRIAS DE ADRIANO", de Marguerite Yourcenar (1 a 30 de Junho de 2006)

"ILÍADA", de Homero (1 a 31 de Julho de 2006)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2006)

POESIA DE ALBERTO CAEIRO (1 a 30 de Setembro de 2006)

"O ALEPH", de Jorge Luis Borges (1 a 31 de Outubro de 2006) (link)

POESIA DE ÁLVARO DE CAMPOS (1 a 30 de Novembro de 2006)

"DOM CASMURRO", de Machado de Assis (1 a 31 de Dezembro de 2006)(link)

POESIA DE RICARDO REIS E DE FERNANDO PESSOA (1 a 31 de Janeiro de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 28 de Fevereiro de 2007)

"O VERMELHO E O NEGRO" e "A CARTUXA DE PARMA", de Stendhal (1 a 31 de Março de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 30 de Abril de 2007)

"A RELÍQUIA", de Eça de Queirós (1 a 31 de Maio de 2007)

"CÂNDIDO", de Voltaire (1 a 30 de Junho de 2007)

"MOBY DICK", de Herman Melville (1 a 31 de Julho de 2007)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2007)

"PARAÍSO PERDIDO", de John Milton (1 a 30 de Setembro de 2007)

"AS FLORES DO MAL", de Charles Baudelaire (1 a 31 de Outubro de 2007)

"O NOME DA ROSA", de Umberto Eco (1 a 30 de Novembro de 2007)

POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE (1 a 31 de Dezembro de 2007)

"MERIDIANO DE SANGUE", de Cormac McCarthy (1 a 31 de Janeiro de 2008)

"METAMORFOSES", de Ovídio (1 a 29 de Fevereiro de 2008)

POESIA DE AL BERTO (1 a 31 de Março de 2008)

"O MANUAL DOS INQUISIDORES", de António Lobo Antunes (1 a 30 de Abril de 2008)

SERMÕES DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA (1 a 31 de Maio de 2008)

"MAU TEMPO NO CANAL", de Vitorino Nemésio (1 a 30 de Junho de 2008)

"CHORA, TERRA BEM-AMADA", de Alan Paton (1 a 31 de Julho de 2008)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2008)

"MENSAGEM", de Fernando Pessoa (1 a 30 de Setembro de 2008)

"LAVOURA ARCAICA" e "UM COPO DE CÓLERA" de Raduan Nassar (1 a 31 de Outubro de 2008)

POESIA de Sophia de Mello Breyner Andresen (1 a 30 de Novembro de 2008)

"FOME", de Knut Hamsun (1 a 31 de Dezembro de 2008)

"DIÁRIO 1941-1943", de Etty Hillesum (1 a 31 de Janeiro de 2009)

"NA PATAGÓNIA", de Bruce Chatwin (1 a 28 de Fevereiro de 2009)

"O DEUS DAS MOSCAS", de William Golding (1 a 31 de Março de 2009)

"O CÉU É DOS VIOLENTOS", de Flannery O´Connor (1 a 15 de Abril de 2009)

"O NÓ DO PROBLEMA", de Graham Greene (16 a 30 de Abril de 2009)

"APARIÇÃO", de Vergílio Ferreira (1 a 31 de Maio de 2009)

"AS VINHAS DA IRA", de John Steinbeck (1 a 30 de Junho de 2009)

"DEBAIXO DO VULCÃO", de Malcolm Lowry (1 a 31 de Julho de 2009)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2009)

POEMAS E CONTOS, de Edgar Allan Poe (1 a 30 de Setembro de 2009)

"POR FAVOR, NÃO MATEM A COTOVIA", de Harper Lee (1 a 31 de Outubro de 2009)

"A ORIGEM DAS ESPÉCIES", de Charles Darwin (1 a 30 de Novembro de 2009)

Primeira Viagem Temática BLOOMSDAY 2004

Primeira Saí­da de Campo TORMES 2004

Primeira Tertúlia Casa de 3 2005

Segundo Aniversário LP

Os nossos marcadores

ARQUIVO
07/01/2003 - 08/01/2003 / 08/01/2003 - 09/01/2003 / 09/01/2003 - 10/01/2003 / 10/01/2003 - 11/01/2003 / 11/01/2003 - 12/01/2003 / 12/01/2003 - 01/01/2004 / 01/01/2004 - 02/01/2004 / 02/01/2004 - 03/01/2004 / 03/01/2004 - 04/01/2004 / 04/01/2004 - 05/01/2004 / 05/01/2004 - 06/01/2004 / 06/01/2004 - 07/01/2004 / 07/01/2004 - 08/01/2004 / 08/01/2004 - 09/01/2004 / 09/01/2004 - 10/01/2004 / 10/01/2004 - 11/01/2004 / 11/01/2004 - 12/01/2004 / 12/01/2004 - 01/01/2005 / 01/01/2005 - 02/01/2005 / 02/01/2005 - 03/01/2005 / 03/01/2005 - 04/01/2005 / 04/01/2005 - 05/01/2005 / 05/01/2005 - 06/01/2005 / 06/01/2005 - 07/01/2005 / 07/01/2005 - 08/01/2005 / 08/01/2005 - 09/01/2005 / 09/01/2005 - 10/01/2005 / 10/01/2005 - 11/01/2005 / 11/01/2005 - 12/01/2005 / 12/01/2005 - 01/01/2006 / 01/01/2006 - 02/01/2006 / 02/01/2006 - 03/01/2006 / 03/01/2006 - 04/01/2006 / 04/01/2006 - 05/01/2006 / 05/01/2006 - 06/01/2006 / 06/01/2006 - 07/01/2006 / 07/01/2006 - 08/01/2006 / 08/01/2006 - 09/01/2006 / 09/01/2006 - 10/01/2006 / 10/01/2006 - 11/01/2006 / 11/01/2006 - 12/01/2006 / 12/01/2006 - 01/01/2007 / 01/01/2007 - 02/01/2007 / 02/01/2007 - 03/01/2007 / 03/01/2007 - 04/01/2007 / 04/01/2007 - 05/01/2007 / 05/01/2007 - 06/01/2007 / 06/01/2007 - 07/01/2007 / 07/01/2007 - 08/01/2007 / 08/01/2007 - 09/01/2007 / 09/01/2007 - 10/01/2007 / 10/01/2007 - 11/01/2007 / 11/01/2007 - 12/01/2007 / 12/01/2007 - 01/01/2008 / 01/01/2008 - 02/01/2008 / 02/01/2008 - 03/01/2008 / 03/01/2008 - 04/01/2008 / 04/01/2008 - 05/01/2008 / 05/01/2008 - 06/01/2008 / 06/01/2008 - 07/01/2008 / 07/01/2008 - 08/01/2008 / 08/01/2008 - 09/01/2008 / 09/01/2008 - 10/01/2008 / 10/01/2008 - 11/01/2008 / 11/01/2008 - 12/01/2008 / 12/01/2008 - 01/01/2009 / 01/01/2009 - 02/01/2009 / 02/01/2009 - 03/01/2009 / 03/01/2009 - 04/01/2009 / 04/01/2009 - 05/01/2009 / 05/01/2009 - 06/01/2009 / 06/01/2009 - 07/01/2009 / 07/01/2009 - 08/01/2009 / 08/01/2009 - 09/01/2009 / 09/01/2009 - 10/01/2009 / 10/01/2009 - 11/01/2009 / 11/01/2009 - 12/01/2009 / 03/01/2010 - 04/01/2010 / 04/01/2010 - 05/01/2010 / 07/01/2010 - 08/01/2010 / 08/01/2010 - 09/01/2010 / 09/01/2010 - 10/01/2010 / 05/01/2012 - 06/01/2012 /


Powered by Blogger

Web Pages referring to this page
Link to this page and get a link back!