Leitura Partilhada
terça-feira, maio 29, 2007
  Diminutivos (ii)
coelhinhos
foto minha

Eça parodia incessantemente com esta nossa desgraçada incontinência no uso do diminutivo, que utilizamos a eito nas palavras de todas as ocasiões, lastimosa expressão da natureza morna de um povo de meias medidas, do “mais ou menos”, do “vai-se andando”, do “coitadinho”, do “não mexa o bracinho, porque lhe vamos tirar sangue”, da "tristeza contentinha" (como diria O'Neill). Se sobejamente usados com todos, mais anda se empregam (para além das crianças) com os pobres, os humildes, os incapazes. E com os velhos, também. Vício duplamente nefasto nos homens, efeminando-lhes o discurso, um verdadeiro assassínio da virilidade que chega a ser confrangedor (não percebo como é que mães não avisam os filhos e mulheres não avisam os maridos, muito embora haja tantas outras coisas que eu não percebo). Os diminutivos existem para i) designar o que é pequeno ii) amaciar a linguagem ou transmitir carinho iii) depreciar iv) revelar ironia ou sarcasmo, e devem ser usados com parcimónia. A bem de uma certa dignidade do idioma e dos que o utilizam.

azuki
 
domingo, maio 27, 2007
  para combater os alicerces, é preciso ter alicerces
- Homens que me haveis acolhido! A verdade abunda nos vossos espíritos, como a uva abunda nas videiras! Vós sois três torres que guardais Israel entre as nações; uma defende a unidade da religião; outra mantém o entusiasmo da pátria; e a terceira, que és tu, venerando filho de Beotos, cauto e ondeante como a serpente que amava Salomão, protege uma cousa mais preciosa, que é a ordem!...

“Cristo” é a tradução grega da palavra hebraica para “Messias”. Contudo, este Messias não convinha aos hebreus, uma vez que a sua prédica exortava à obediência e ao perdão (bastante conveniente para os opressores) e, acima de tudo, ousou enfrentar poderes demasiado fortes e organizados. Jesus não era louco, nem inofensivo, porque as pessoas ouviam e aceitavam aquelas suas estranhas palavras que provocavam desordem. Mas, sem recorrer ao poder sobrenatural que dizia possuir, que poderia um homem sozinho fazer contra todo um edifício a pressentir a ameaça? Desde que o mundo é mundo, para se combater o statu quo, há que estar bem alicerçado.

azuki
 
  o cativeiro do Pontífice
Bebeu um gole da sua água morna, e recolheu-se ao retiro da sua alma – a rezar a ave-maria que sempre ofertava pela saúde do Pontífice e pelo termo do seu cativeiro.

A nossa história passa-se na segunda metade do sec. XIX, altura em que se deu a unificação da Itália e o Papa foi desapossado dos Estados Papais. Pio IX não encarou bem a situação, tendo-se declarado “prisioneiro do Vaticano”. Foi um papa que reinou muito tempo, profundamente reaccionário, bem ao gosto da tia Patrocínio (muito embora os papas não sejam propriamente uns progressistas). O contencioso entre o estado italiano e o Vaticano só viria ser resolvido pelos acordos de Latrão, com Mussolini, nos anos 20.

azuki
 
sábado, maio 26, 2007
 
perfeito perfeito

Que me perdoem se insisto com os sonhos na minha leitura de A Relíquia, mas é importante reconhecer que a anulação do tempo, ou a sobreposição de dois tempos neste caso mais preciso, é uma estratégia inovadora e audaciosa (lembremos que estamos a ler uma obra do século dezanove), actualmente muito utilizada com técnica narrativa.

Depois de Raposo ter acompanhado a crucificação de Jesus, trava o seguinte diálogo com Eliézer, doutor do templo, físico de Sanedrim:

- Fui ver Jesus – atalhei severamente – Fui ver Jesus, crucificado esta tarde por mandado de Sanedrim..
Eliézer, com oriental cortesia, bateu no peito demonstrando mágoa. E quis saber se pertencia ao meu sangue, ou partilhara comigo o pão de aliança, esse Jesus que eu fora assistir na sua morte de escravo.
Eu considerei-o assombrado!
- É o Messias!
E ele considerou-me mais assombrado ainda, com um fio de mel a escorrer-lhe na barba.

Este diálogo revela duas coisas. Primeira, que os acontecimentos devem ser interpretados à luz das circunstâncias em que se desenvolvem; segunda, que a nossa verdade pode não significar nada para os outros.

A crucificação de Cristo levou a que durante mil anos os cristãos recusassem pegar em armas. Com a consolidação da Igreja no que era o antigo Império Romano e as cruzadas na Idade Média, iniciou-se um processo de propagação da Fé, a guerra santa. Isto diz-nos muita coisa.

Confesso que admiro o sonho do Raposo. Diria mesmo, um sonho perfeito, perfeito.
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laerce
 
  Diminutivos
- Pertence à senhora D. Mary! E a tua camisinha, amor! gemi eu, cruzando os suspensórios.
A minha luveirinha ergueu-se, trémula, descorada - e teve um poético rasgo de paixão. Enrolou a sua camisinha, atirou-me para os braços, tão ardentemente, como se entre as dobras viesse também o seu coração.

A utilização abundante e sem critério dos diminutivos dá-nos bem a dimensão do que pode ser uma personagem ridícula, a quem Eça resolveu chamar Raposão (e não Raposinho). Vem ele de um meio rural, tendo sido depois educado em Lisboa pelas criadas da tia e crescido naquele indescritível ambiente de rezas e de salamaleques às santidades. Todo o seu comportamento é o exemplo do saloio, de deslumbramento fácil, de alguém que não tem mundo nem bom gosto nem interesse pelo conhecimento e que, apesar de a detestável tia lhe ter proporcionado alguns meios para se valorizar, continua medíocre e rasteiro.

azuki
 
sexta-feira, maio 25, 2007
  a gente do Templo, cheia de rumores e de risos
Então, ansioso, ergui os olhos... Ergui os olhos para a cruz mais alta, cravada com cunhas numa fenda de rocha. O Rabi agonizava. E aquele corpo que não era de marfim nem de prata, e que arquejava, vivo, quente, atado e pregado a um madeiro, com um pano velho na cinta, um travessão passado entre as pernas - encheu-me de terror e de espanto... O sangue que manchara a madeira nova enegrecia-lhe as mãos, coalhado em torno aos cravos: os pés quase tocavam o chão, amarrados numa grossa corda, roxos e torcidos de dor. A cabeça, ora escurecida por uma onda de sangue, ora mais lívida que um mármore, rolava de um ombro a outro docemente; e por entre os cabelos emaranhados, que o suor empastara, os olhos esmoreciam, sumidos, apagados - parecendo levar com a sua luz, para sempre, toda a luz e toda a esperança da Terra...
O centurião, sem manto, com os braços cruzados sobre a couraça de escamas, rondava gravemente junto à cruz do Rabi, cravando por vezes os olhos duros na gente do Templo, cheia de rumores e de risos.

Uma turba enfurecida, com os seus risos alvares, a resfolegar de satisfação em torno de uma cena de martírio, é algo que nunca entenderei. Mas parece que a catarse funciona. Realmente, há coisas bem estranhas no mundo: uma cruz, um pelourinho, uma guilhotina, a mitigar a violência doméstica.

azuki
 
quinta-feira, maio 24, 2007
  77ª Feira do Livro de Lisboa e do Porto
 
quarta-feira, maio 23, 2007
 
- Ai Topsius, Topsius! - rosnava eu. - Que mulheres! Que mulheres! Eu estouro, esclarecido amigo!
O sábio afirmava com desdém que elas não tinham mais intelectualidade que os pavões dos jardins de Antipas; e que nenhuma decerto ali lera Aristóteles ou Sófocles!... Eu encolhia os ombros. Oh esplendor dos céus! Por qual destas mulheres, que não lera Sófocles, não daria eu, se fosse César, uma cidade de Itália e toda a Ibéria! Umas entonteciam-me pela sua graça dolente e macerada de virgens de devoção, vivendo na penumbra constante dos quartos de cedro, com o corpo saturado de perfumes, a alma esmagada de orações. Outras deslumbravam-me pela sumptuosidade sólida e suculenta da sua beleza. Que largos, escuros olhos de ídolos! Que claros, macios membros de mármore! Que sombria moleza! Que nudezas magníficas, quando à beira do leito baixo se lhes desenrolassem os cabelos pesados, e fossem docemente escorregando os véus e os linhos de Galácia!...


Raposão achava mesmo que aquelas criaturas sórdidas eram monumentos de beleza e de suavidade, tal eram a sua ânsia e a sua ausência de critério. Este deslumbramento pacóvio provoca-me alguma repugnância e puxa-me para o desassombro: Raposão era um refinado cretino e Eça entendeu ser contundente através da paródia. Tudo muito cómico e muito trágico.

azuki
 
terça-feira, maio 22, 2007
  Relíquias
- Essa léria não pega, senhor! - gritou ele, com as veias a estalar de cólera na fronte esbraseada. - Foi Vossa Senhoria que estragou o comércio!... Está o mercado abarrotado, já não há maneira de vender nem um cueirinho do Menino Jesus, uma relíquia que se vendia tão bem! O seu negócio com as ferraduras é perfeitamente indecente... Perfeitamente indecente! É o que me dizia noutro dia um capelão, primo meu: "São ferraduras de mais para um país tão pequeno!..." Catorze ferraduras, senhor! É abusar! Sabe Vossa Senhoria quantos pregos, dos que pregaram Cristo na cruz, Vossa Senhoria tem impingido, todos com documentos? Setenta e cinco, senhor!... Não lhe digo mais nada... Setenta e cinco!
E saiu, atirando a porta com furor, deixando-me aniquilado.


Mais do que qualquer abstracção filosófica, as pessoas necessitam de acreditar em algo que possam compreender (a figura de Jesus Cristo é bem mais susceptível de ser apreendida do que, por exemplo, o transcendente Jeová) e, se a fé puder ser catalisada pelos sentidos, tanto melhor. Os rituais, as cerimónias, as imagens, as relíquias, são poderosos métodos e instrumentos que encurtam a distância entre a humanidade e o sagrado. Desconfio mesmo que, no que respeita ao contrabando, Raposão seja apenas um amador.

Leio, entre o divertida e o abismada, num destes livrinhos da QuidNovi: Durante a época feudal dos séculos X e XI (...) a decadência da vida cristã manifestava-se também na deficiente prática religiosa e sacramental. Aumentava o culto dos santos, eivados muitas vezes de práticas supersticiosas e de ignorância. Cresceu a veneração indiscriminada das relíquias, que eram da mesma forma comercializadas ou roubadas. Relíquias falsas eram postas com facilidade em circulação: três localidades da Europa vangloriavam-se de possuir entre os seus tesouros a cabeça de São João Baptista; chegavam a 33 os cravos da Santa Cruz venerados em diversas igrejas; a abadessa Ermentrude de Jouarre falava em relíquias como o fruto da árvore da ciência do bem e do mal e Angilberto enumera, entre as relíquias do mosteiro de São Ricário, a candeia que se acendeu no nascimento de Jesus, o leite de Nossa Senhora e a barba de S. Pedro.

azuki
 
segunda-feira, maio 21, 2007
  embalar as almas na esperança do reino do céu
- Oh! Em verdade vos digo, embalar as almas na esperança do reino do céu, é fazer-lhes esquecer o dever forte para com o reino da terra, para esta terra de Israel que está em ferros, e chora e não quer ser consolada! O Rabi é traidor à Pátria! O Rabi deve morrer!

Personagem histórica ou produto da imaginação? Homem como os demais ou ente sobrenatural? Filho de Deus ou o próprio Deus? Acredito que tenha existido um visionário chamado Jesus, que foi crucificado pelos romanos no sec I da nossa era, mas também faço parte do grupo de incrédulos que consideram que a sua figura é uma projecção das condições políticas e sociais da época. O desespero e a revolta provocados pelo despotismo e pela violência do Império Romano conduziram a sucessivas insurreições fracassadas, fazendo crescer entre as gentes a necessidade de consolação. Segundo Engels, esta acabou por ser encontrada, “mas não neste mundo”.

azuki
 
 
O som leve de uma esponja arremessada na água (…) a água rumorejou, como agitada por um doce braço despido que lhe experimentava o calor.
p.99

Quem ouve? - O Raposo.
Onde? - No quarto do hotel em Jerusalém, no dia em que visitou o túmulo do Senhor.
O que faz o Raposo? - Sai do quarto e espreita pela fechadura da porta do quarto ao lado.

Esta passagem é um ritual. De rituais se faz também uma religião. Pela voz de Teodorico Raposo, Eça diria ainda que o amor de uma mulher muda a face do mundo e dá-lhe mais uma religião.

De uma mulher ou de um homem, não?

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laerce
 
quinta-feira, maio 17, 2007
  a mulher é o caminho da iniquidade

- Espera-nos Gamaliel, filho de Simeão. E a sabedoria dos rabis lá disse que a mulher é o caminho da iniquidade!

No mundo pagão, o corpo era celebrado e o sexo funcionava como factor de união entre a humanidade e os deuses. O Cristianismo vem modificar a história do sexo e do amor, introduzindo esse eficaz meio de controlo das mentes que é o conceito de pecado original e, com ele, a vergonha do corpo e a aversão ao sexo. Porque o mundo, a vida, eram um negócio de homens,... porque a história foi escrita pelos homens e a religião uma sua invenção,... porque eram eles os emissores, os seres actuantes, e as mulheres, inferiores e imperfeitas, para além de sua propriedade e meros receptores, eram quem os atraía para os “caminhos da iniquidade”,... a Igreja entendeu reprovar a sexualidade através da imagem da Eva pecadora. Assim, a mulher deixa de ser portadora de vida, para passar a representar o infortúnio do homem (na verdade, já o Judaísmo a tinha convenientemente esquecido, com os seus Gamalieis e o seu Deus masculino e único). A minha mente blasfema leva-me mesmo a acreditar que foi para se alhear da existência do gineceu que a imaginação masculina se deu ao trabalho de substituir a terceira figura da Trindade pelo Espírito Santo. Escondendo a mulher, o protagonista da história estaria resguardado para as actividades que o aproximariam de Deus. O tal que ele tinha construído à sua semelhança.

azuki
 
quarta-feira, maio 16, 2007
  A adolescência
Um dia, um rapaz já de buço chamou-me no recreio "lambisgóia". Desafiei-o para as latrinas, ensanguentei-lhe lá a face toda, com um murro bestial. Fui temido. Fumei cigarros. O Crispím saíra dos Isidóros; eu ambicionava saber jogar a espada. E o meu amor pela Vicência desapareceu um dia, insensivelmente, como uma flor que se perde na rua. E os anos assim foram passando...

cristina_pt
 
terça-feira, maio 15, 2007
  um mau judeu
- Todavia, esse Rabi de Galileia deve decerto morrer, porque é um mau cidadão e um mau judeu! Não o ouvimos nós aconselhar que se pague o tributo a César? O Rabi estende a mão a Roma; o romano não é o seu inimigo. Há três anos que prega, e ninguém jamais lhe ouviu proclamar a necessidade santa de expulsar o estrangeiro. Nós esperamos um messias que traga uma espada e liberte Israel, e este, néscio e verboso, declara que traz só o pão da verdade! Quando há um pretor romano em Jerusalém; quando são lanças romanas que velam às portas do nosso Deus, a que vem esse visionário falar do pão do céu e do vinho da verdade? A única verdade útil é que não deve haver romanos em Jerusalém!...

Saturados da opressão de potências estrangeiras, generalizou-se entre os judeus da Palestina e da diáspora a crença na vinda de um Messias. Mas este não era o Salvador que todos esperavam, pois falava demasiado na humildade e na obediência, na caridade e no perdão, e o seu espírito não era combativo, mas de sofrimento e de aceitação. Ama o teu próximo como a ti mesmo. Nele, não havia rasto de ódio.

azuki
 
segunda-feira, maio 14, 2007
  A Titi
Aqui temos uma das "especialidades querosianas": os retratos da época, através das suas personagens (frequentemente unidimensionais).

A Titi (D. Maria do Patrício) usava óculos escuros e padecia do fígado (o que não surpreende). Talvez por isso, o seu "carão chupado e esverdinhado".

Beata, padece de todos os males da beatice: aparentando grande devoção à fé cristã/católica, desde o princípio da obra, adivinhamos a verdadeira natureza da sua "caridade cristã":

Que se aguente...É o que sucede a quem não tem temor a Deus e se mete com bêbadas...Não tivesse comido tudo em relaxações...Cá para mim, homem perdido com saias, homem que anda atrás de saias, acabou...Não tem o perdão de Deus, nem tem o meu! Que padeça, que padeça, que também Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu!

Mais tarde, ao ouvi-lo narrar de uma criada que em França atirara o filho à sentina - Padre Pinheiro! Faça o favor de me respeitar... Não é lá pela latrina! É pela outra porcaria!

Até hoje, continuo a não compreender a "caridade cristã" na boca de pessoas que nunca prestaram um dia de voluntariado na sua vida. Perturba-me...e sou ateia.

cristina_pt
 
domingo, maio 13, 2007
 
os sonhos ainda sem Freud


Os sonhos perseguem Teodorico. Vejo-o enrolado sobre si mesmo no beliche enquanto as ondas alterosas envolviam o “Caimão”: Mas uma tarde, ao escurecer, tendo cerrado os olhos, pareceu-me sentir sob as chinelas um chão firme… e achei-me incompreensivelmente a subir uma colina.

Quem o acompanhava era a Adélia, mais a Mary e esse aí em cima. O Diabo existe desde sempre e anuncia a vinda de outro deus: Mais outro deus! Mais outra religião! E esta vai espalhar em Terra e Céu um inenarrável tédio.”

Freud, explica lá isto! Ou Renan explicará melhor?

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laerce
 
sábado, maio 12, 2007
 
Na sua relação com Adélia, encontramos um estanho paralelismo com a sua relação com a Titi. Em ambas, o combustível é o dinheiro.

cristina_pt
 
sexta-feira, maio 11, 2007
  Resposta à tentativa de defesa do Raposão
É verdade. Raposão desde o primeiro dia foi instruido com a "frialdade de pedra" da Titi. Todavia, no contacto com o seu primo Xavier, teve aqui o seu primeiro momento de adultez. Claramente não esteve à altura e ficou um bocadinho mais próximo da Titi.

É aqui que morre Tedrico... o último prego, vem pela boca do próprio: "Tem a titi razão! Que não se metesse com saias!

Para o Xavier: cinco tostões... Para Adélia: oito moedas de ouro.

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  a culpa foi dos judeus
("Ecce Homo", Antonio Ciseri)

Depois ajuntou, lento, com os olhos semicerrados, erguendo por entre os dedos os longos fios da barba:
- Mas Pôncio teve um escrúpulo... Não quis julgar um homem de Galileia, que é súbdito de Antipas Herodes... E como o tetrarca veio à Páscoa a Jerusalém, Pôncio mandou o Rabi à sua morada, a Bezeta...
Os doutos óculos de Topsius rebrilharam de espanto.
- Cousa estranha! - exclamou, abrindo os braços magros. - Pôncio escrupuloso, Pôncio formalista! E desde quando respeita Pôncio a judicatura do tetrarca? Quantos pobres galileus não fez ele matar sem licença do tetrarca, quando foi da revolta do aqueduto, quando espadas romanas, por ordem de Pôncio, misturaram, nos pátios do templo, o sangue dos homens de Neftali ao sangue dos bois do sacrifício!
Gamaliel murmurou sombriamente:
- O romano é cruel, mas escravo da legalidade.

A base do Cristianismo foi o próprio Judaísmo: Jesus era judeu e vivia na Palestina; a adopção do messianismo (ainda que este tenha raízes nos cultos de divindades salvadoras da Babilónia, Egipto, Grécia,...); o espírito inflamado contido no Apocalipse; a ideia de um Deus único e omnipotente; a inclusão do Velho Testamento no cânone cristão; a assimilação de dogmas fundamentais judaicos, assim como de alguns dos seus rituais (Páscoa,...),... Contudo, em simultâneo, o Cristianismo deixou-se contagiar por uma acentuada aversão aos judeus, tido como o povo que matou Jesus Cristo.

Os Evangelhos ilustram bem a sua mestria ficcional ao pretenderem fazer-nos crer no sentido de justiça dos romanos, apresentando-nos um Pôncio Pilatos com rebates de consciência, a quem repugna condenar Jesus Cristo sem fundamento, como se crucificar pregadores galileus não fosse uma situação banal. Os romanos são, assim, arredados deste processo e ilibados da uma culpa que passa a centrar-se unicamente nos judeus.

azuki
 
quinta-feira, maio 10, 2007
 
Nunca mais rosnei a delambida oração a S. Luís Gonzaga, nem dobrei o meu joelho viril diante de imagem benta que usasse auréola na nuca.

p.22

O que faria a titi Patrocínio se soubesse da tua perdição…hem Raposão? Lá se ia o patrocínio.

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laerce
 
 
Esta jornada à terra do Egipto e à Palestina permanecerá sempre como a glória superior da minha carreira; e bem desejaria que dela ficasse nas letras, para a posteridade, um monumento airoso e maciço. Mas hoje, escrevendo por motivos peculiarmente espirituais, pretendi que as páginas íntimas, em que a relembro, se não assemelhassem a um Guia Pitoresco do Oriente. Por isso (apesar das solicitações da vaidade), suprimi neste manuscrito suculentas, resplandecentes narrativas de ruínas e de costumes...


(o Cairo, na época em que Eça o conheceu;
site da Fundação Eça de Queirós)

"Eça partiu, em 23 de Outubro de 1869, para o Egipto, para assistir à inauguração do Canal de Suez. A duração desta sua viagem não foi muito longa mas, as memórias, essas deixaram marcas perenes.

A viagem começou a 23 de Outubro de 1869 e terminou a 3 de Janeiro de 1870. Do total de setenta e dois dias, treze foram dispendidos na viagem de ida e outros dezasseis na viagem de regresso, o que deu aos viajantes quarenta e três dias para conhecerem o Egipto, a Palestina e a Alta Síria.

Se o Canal de Suez foi a ‘desculpa’ para a viagem, Cairo e Jerusalém foram os momentos marcantes da sua viagem, como ele próprio faz questão de ressaltar no texto publicado logo após a sua chegada, no Diário de Notícias."

(fonte)

cristina_pt

 
  Tentativa de defesa do Raposão
Ladino que só, o Raposão não precisa de advogados. Mas, dada a situação adversa na qual ele se encontra, entregue à própria sorte, rogo-me o direito de defendê-lo.
Serei breve: que atentem para o verdadeiro sofrimento dele ao ser traído por Adélia ou pela sua devoção a Mary.
O pecador pode ser pecador, mas não é só pecado.

Gabriel
 
  Ler Eça (ii)
© 2000 BIBLIOTECA NACIONAL
Eça de Queirós (caricatura)
"Honny soit qui mal y pense"
in Álbum das Glórias
BN Res. 523

Crítico implacável de sorriso irónico (muito se deveria rir ele de nós), homem de gosto requintado e de genial lucidez, observador atento com “uma percepção extraordinária da realidade” (como diz, a propósito de Fradique Mendes), pessimista e contundente. Nas suas obras, um estilo ritmado, subtil, harmonioso, captando magistralmente os vícios, manhas e atrasos da sociedade portuguesa.

Mas nem um escritor obcecado pela perfeição (os textos eram extremamente trabalhados, não obstante a espontaneidade com que as palavras lhe surgiam - imagino a dor de cabeça que provocaria nos editores) está imune à censura. Estive a ler o velhinho “Eça de Queiroz – A sua vida e a sua obra”, de António Cabral (cuja primeira edição surge em 1916) e: há quem lhe aponte exíguos conhecimentos de vocabulário (é verdade!) e quem o censure pelo fraco respeito que nutria por uma suposta pureza da linguagem, abusando dos galicismos e de uma gramática afrancesada; existem diversas acusações de plágio (a propósito de excessivas semelhanças com escritores como Proudhon, Dumas, Hugo, Zola,...); as suas personagens femininas, quase sempre secundárias, são lamentáveis (apresenta-as como estúpidas, frívolas ou infames, e nunca como seres dotados de capacidade intelectual e de nobreza de carácter). Eu acrescentaria que o retrato social fica incompleto, uma vez que o povo não lhe merece grande atenção ou sequer curiosidade.

azuki

 
quarta-feira, maio 09, 2007
 
A eterna dualidade associada ao feminino: Nunca roçara corpo tão belo, de um perfume tão penetrante; ela era cheia de graça, o Senhor estava com ela, e passava, bendita entre as mulheres, com um rumor de sedas claras.

cristina_pt
 
  "Ninguém, como eu, saboreia o grandioso"
[O Padre Pinheiro] Era um homem corpulento e solene, já calvo, com um carão lívido, onde desatacavam as sobrancelhas cerradas, densas e negras como carvão. Raras vezes penetrava na sala da Titi sem atirar, logo da porta, uma notícia pavorosa. “então, não sabem? Um incêndio medonho, na Baixa!” Apenas uma fumaraça numa chaminé. Mas o bom Margaride, em novo, num sombrio acesso de imaginação, compusera duas tragédias; e dai lhe ficara este gosto mórbido de exagerar e de impressionar. “Ninguém como eu, dizia ele, saboreia o grandioso...”

Não só o Raposão me fascina; o Padre Pinheiro também. Foi o modo mais elegante com que alguém justificou exagerar as coisas só um pouquinho...

Gabriel
 
  EÇA NO EGIPTO
De Port Said a Suez

I

Sr. Redactor.

Acedo da mais perfeita vontade ao seu desejo de ter a história real das festas de Suez. Conto-lhe , porém, simplesmente e descarnadamente, o que me ficou na memória daqueles dias confusos e cheios de factos: tanto mais que as festas de Suez estão para mim entre duas recordações - o Cairo e Jerusalém: estão abafadas, escurecidas por estas duas luminosas e poderosas impressões: estão como pode estar um desenho linear a lápis, entre uma tela resplandecente de Decamps, o pintor do Alcorão, e uma tela mortuária de Delaroche, o pintor do Evangelho.

Talvez em breve diga o que é o Cairo e o que é Jerusalém na sua crua e positiva realidade, se Deus consentir que eu escreva o que vi na terra dos seus profetas. Hoje, faço-lhe apenas a narração trivial, o relatório chato das festas de Port Said, Ismailia e Suez.

*
* *

Tínhamos voltado, eu e o meu companheiro, o conde de Resende, de uma excursão às pirâmides de Gizé, aos templos de Sakkarah e às ruínas de Mênfis, quando no Cairo soubemos que estavam na baía de Alexandria os navios do quediva que deviam levar-nos a Port Said e Suez.

Vínhamos do sossego do deserto e das ruínas, e logo na gare do Cairo, ao partir para Alexandria, começámos a envolver-nos, bem a custo, naquela confusão irritante que foi o maior elemento de todas as festas do Suez. A previdente penetração da polícia egípcia tinha esquecido que trezentos convidados, ainda que não tenham a corpulência tradicional dos paxás e dos vizires, não podem caber em vinte lugares de vagões, estreitos como bancos de réus. Por isso, em volta das carruagens havia uma multidão tão ávida como no saque de uma cidade.

Jonas Ali, o nosso drogman, um núbio, intrigou, conspirou, clamou e alcançou-nos numa carruagem de segunda classe, miseravelmente desmoronada, dois lugares empoeirados.

Confesso que foi com o maior tédio que comecei a atravessar a magnífica natureza do Delta. Demais, os caminhos de ferro egípcios não têm uma velocidade fixa. Vão aos caprichos do maquinista, que, de vez em quando, pára a máquina, desce, acende o cachimbo, ri com algum velho conhecimento de estrada, sorve minuciosamente o seu café, torna a subir bocejando, e faz partir distraidamente o comboio. Nesse dia, porém, o ar estava nublado, chuvoso; o maquinista levou-nos rapidamente a Alexandria. Na baía esperavam o «Marsh», o «Fayoum», o «Behera», navios do paxá. O embarque fez-se com a confusão habitual, complicada com os embaraços de um mar agitado: os barcos iam cheios de gente, uns de pé, outros sentados na borda, roçando pela água, outros gravemente equilibrados sobre a acumulação pitoresca das bagagens: ria-se, fulminava-se a organização e a polícia das festas, gritava-se um pouco quando os barcos pesados oscilavam mais inquietadoramente. Nós subimos para o «Fayoum», que devia levantar ferro nessa tarde, apesar do tempo contrário e dos mares que víamos partir de longe na linha de rochedos que precede a baía de Alexandria. E ao outro dia, por uma bela manhã, entrávamos em Port Said por entre os dois grandes molhes que se adiantam paralelamente pelo mar, feitos de poderosos blocos de pedra solta. Port Said é uma cidade de indústria e de operários: isto dá-lhe uma especialidade de fisionomia: estaleiros, forjas, serralharias, armazéns de materiais, aparelhos destilatórios. Tal é Port Said. A sua construção foi determinada pela necessidade de haver um vasto porto, que fosse, que fosse uma estação de navios, à entrada do canal, e primitivamente, para que engenheiros, maquinistas, directores de obras tivessem um centro. Isto dá-lhe um aspecto de cidade provisória. Como havia espaço, as ruas são largas como praça e compridas como avenidas: as casas são baixas, de materiais ligeiros: sente-se a construção rápida e a incerteza da duração. Ali em Port Said, apesar dos seus doze mil habitantes, não há ainda um viver definitivo e regular. Não há estabelecimentos feitos na esperança da duração: não há comércio fixamente estabelecido: tem tudo o aspecto de uma feira, que hoje ganha e prospera, e amanhã se levanta e se dispersa. E isto porque, apesar da confiança de toda a população na prosperidade do canal, nenhuma profissão, nenhum comércio se quer arriscar a estabelecer-se de um modo definitivo, correndo o perigo de ver aquele começo de cidade estiolar-se e morrer miseravelmente. Pois tal seria a sorte de Port Said, bem como de Ismailia, se o canal fosse uma inutilidade, abandonado do comércio e da navegação.

A sua construção ressente-se, pois, destas circunstancias: nem edifícios, nem monumentos, nem construções sólida e sérias: tudo é ligeiro, barato, provisório. A igreja católica é como uma grande barraca: vê-se o céu azul através do seu tecto feito de grandes traves mal unidas. Tudo isto dá a Port Said um aspecto triste. No fim das festas, tempo depois, quando ali tornei a passar, em viagem para Jerusalém, pareceu-me pela apatia da vida, pelo silêncio, que o deserto começava de novo a aparecer por entre aquela fraca aparência de cidade.

Mas naquele dia 17, da inauguração, Port Said, cheio de gente, coberto de bandeiras, todo ruidoso dos tiros dos canhões e dos urras da marinhagem, tendo no seu porto as esquadras da Europa, cheio de flâmulas, de arcos, de flores, de músicas, de cafés improvisados, de barracas de acampamento, de uniformes, tinha um belo e poderoso aspecto de vida. A baía de Port Said estava triunfante. Era o primeiro dia das festas. Estavam ali as esquadras francesas do Levante, a esquadra italiana, os navios suecos, holandeses, alemães e russos, os yachts dos príncipes, os vapores egípcios, a frota do paxá, as fragatas espanholas, a «Aigle», com a imperatriz, o «Mamoudeb» com o quediva, e navios com todas as amostras de realeza, desde o imperador cristianíssimo Francisco José, até ao caide árabe Abd el-Kader. As salvas faziam o ar sonoro. Em todos os navios, empavesados e cheios de pavilhões, a marinhagem, perfilada nas vergas, saudava com vastos urras. De todos os tombadilhos vinha o vivo ruído das músicas militares. O azul da baía era riscado em todos os sentidos pelos escaleres, a remos, a vapor, à vela; almirantes com os seus pavilhões, oficialidades todas resplandecentes de uniformes, gordos funcionários turcos afadigados e apoplécticos, viajantes com os chapéus cobertos de véus e couffiés, cruzavam-se ruidosamente por entre os grandes navios ancorados; as barcas decrépitas dos Árabes, apinhadas de turbantes, abriam as suas largas velas riscadas de azul. Sobre tudo isto o céu do Egipto, de uma cor, de uma profundidade infinita. À noite a cidade iluminava-se, enchia-se de músicas e festas populares. As esquadras tinham as suas armações e cordagens cobertas de fios de luz. Durante toda a noite os fogos de artifício, numa grand linha de terra, faziam, sobre o céu escuro, um grande bordado luminoso.

Na baía havia um viver completo, como numa cidade: bailes a bordo dos navios, jantares, visitas trcadas, recepções, passeios a remo, serenatas nos escaleres. De tudo isto saía uma luz, um ruído, um fluido de vida poderosamente original. Havia em Port Said um café-cantante, memorável pela excentricidade da sua alegria: estava tão cheio de gente, que era necessário fumar, beber, ouvir, de pé, sufocado, hirto. Quando no palco aparecia a actriz para dizer a sua canção, as mil vozes daquela imensa multidão, acompanhados do tinir cadenciado dos copos, do bater dos pés, dos assobios, dos uivos, dos gritos, começava repetindo, com estrondo assombroso, a canção conhecida da actriz. Era bestial e extrordinário.

No dia seguinte ao da chegada, descemos todos a terra para a cerimónia da inauguração. Do lado oposto aos molhes, para além da cidade, tinham-se construído três pavilhões, estrados tapetados e brasonados, sobre a areia húmida da espuma do mar. Era nesse lugar a celebração religiosa: os ulemás e os padres cristãos deviam abençoar e consagrar nos seus ritos o canal de Suez. Um grande cortejo de convidados precedidos dos príncipes, entre os quais sobressaía a pensativa e bela figura de Abd el-Kader, dirigiu-se para esse lugar, entre duas fileiras de soldados egípcios, de arcos, de bandeiras, e de árabes que abriam grandes olhos. No pavilhão principal, de cores triunfantes, colocavam-se os convidados reais e imperiais e os mais que podiam caber; no outro pavilhão estavam os ulemás maometanos; no terceiro os padres latinos, gregos, arménios e coptas.

Quando tudo estava colocado e o grande rumor da chegada e da confusão se acalmou, os ulemás prostraram-se, voltados para o lado de Meca, os padres cristãos começaram a missa, a artilharia salvou nas esquadras. Entretanto a multidão apinhava-se sobre a areia húmida e em volta dos estrados; a grossa figura vermelha do quediva estava radiosa, a imperatriz tinha um ar de satisfação discreta, Mr. De Lesseps tinha o seu belo e inteligente sorriso. Em redor e até ao fundo horizonte, o mar sereno reluzia. Quando a artilharia findou, Mr. Bauer adiantou-se à beira do estrado e falou. Mr. Bauer é um homembaixo, pálido, de cara feminina e larga, cabelos pendentes em anéis sobre os ombros, asseado, barbeado, perfumado, delicado, e com uma voz assombrosa. O que ele dizia eram palavras de fraternidade entre o Oriente e o Ocidente, esperanças de uma humanidade mais profunda, unida por aquela ligação marítima, palavras afáveis aos convidados reais, e recordações piedosas, e recordações piedosas dos corajosos trabahadores, que durante aquela obra de luta morreram obscuramente. Quando ele disse o nome de Mr. De Lesseps, toda a imensa multidão bateu as palmas. Mr. Bauer findou, e o cortejo voltou à praia e dispersou-se pelos navios. Durante tod a noite os fogos de artifício, os clamores alegres da cidade, o ruído dos escaleres, as músicas, encheram a baía de vida.

Ao outro dia os navios começaram a mover-se lentamente, voltando a proa para um ponto da baía de Port Said, onde se erguiam, como os dois umbrais de uma porta, dois obeliscos de madeira vermelhos. Era a entrada do canal de Suez. Entretanto corriam por todos os navios estranhos boatos.

Eça de Queirós

(Diário de Notícias de 18 de Janeiro de 1870)

Joana
 
terça-feira, maio 08, 2007
  Leitura contaminada
O inigualável Raposão estará, para mim, sempre ligado a Matheus Nachtergaele. Impossível ler e não pensar nele: na forma de dizer "relaxações, carolices"; no olhar beato diante da titi; na capacidade de ludribriar; nos gestos; nas expressões; nas entonações; em suma, em tudo.
Eça não é meu favorito, como já revelei, mas a minissérie da Globo, em que pesem os contras - reunir vários livros num só, misturar personagens - fez o grande favor de me instigar esta leitura, até mesmo em benefício de Eça.
De qualquer forma, não creio que ele ficasse bravo diante do talento do ator que interpretou o Raposão.

Gabriel
 
segunda-feira, maio 07, 2007
  Ler Eça
Armando Nogueira, renomado jornalista, recomenda: Nada melhor para afiar as palavras do que ler o mestre Eça.
O mestre Eça, visto do século XXI, anda a passos de caramujo. Uma crítica teatral e tradutora de Shakespeare dizia não ler romances porque não aguentava a descrição do pôr-do-sol. Não sou tão radical, mas creio que o fluxo de consciência, o monólogo interior e as inovações que transformaram o romance no último século - em alguns casos, levando-o quase à impossibilidade da leitura, dada a dificuldade a ser enfrentada - alteraram também este humilde leitor.
As descrições realistas, muitas vezes, pecam pelo excesso. Salvo algumas injeções de ironia na monotonia dos longos, longuíssimos parágrafos em que nada acontece, mestre Eça é cansativo. Tenho vontade de dizer: tudo bem, mas vamos logo ao ponto essencial, diga logo ou vai ficar falando sozinho.
No fim, não o deixo falar aos pássaros. E leio parágrafos que dão o ambiente, o ar, a atmosfera, mas que não sobreviverão quinze dias na minha memória.
Ler Eça quando ele era vivo terá sido mais fácil?

Gabriel
 
 
encontros imediatos

- Esta é a titi...É necessário gostar muito da titi... É necessário dizer sempre sim à titi!
Lentamente, e a custo, ela baixou o carão chupado e esverdinhado. Eu senti um beijo vago, de uma frialdade de pedra: e logo a titi recuou, enojada.
- Credo, Vicência! Que horror! Acho que lhe puseram azeite no cabelo!
(p. 16)


Quem era aqui o E.T.?

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laerce
 
domingo, maio 06, 2007
 
Tedrico/ Te-o-do-ri-co

Gosto de Teodorico enquanto narrador. Aliás, para qualquer livro que me venha cair às mãos, procuro-lhe de imediato os contornos como num caminho desconhecido se procuram as marcas identificadoras. Este é espectacular!Tem uma memória extraordinária. Aos sete anos sonha que está à beira de um rio acompanhado por quem? Jesus Cristo. Com a mesma idade e enquanto reza as ave-marias cruza-se numa estalagem com a ‘inglesa do senhor barão’ e de imediato confunde-a com a mãe de Deus:


Nunca roçara corpo tão belo, de um perfume tão penetrante; ela era cheia de graça, o Senhor estava com ela, e passava, bendita entre as mulheres, com um rumor de sedas claras…
p.14/15 (Edição Livros do Brasil)

Tantos indícios, Tedrico.
Ora deixa-me cá ver os meus sonhos aos sete anos...

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laerce
 
  uma testemunha inédita da Paixão

Mas “ver” Jesus! Ver como eram os seus cabelos, que pregas fazia a sua túnica, e o que acontecia na terra quando os seus lábios se abriam!... (...) Era só empurrar aquela porta de cedro, atravessar o pátio onde gemia a mó do moinho doméstico - e logo, na rua, eu poderia “ver”, presente e corpóreo, o meu Senhor Jesus tão realmente e tão bem como o viram S. João e S. Mateus. Seguiria a sua sacra sombra no muro branco - onde cairia também a minha sombra. Na mesma poeira que as minhas solas pisassem - beijaria a pegada ainda quente dos seus pés! E abafando com ambas as mãos o barulho do meu coração - eu poderia surpreender, saído da sua boca inefável, um ai, um soluço, um queixume, uma promessa! Eu saberia então uma palavra nova do Cristo, não escrita no Evangelho - e só eu teria o direito pontifical de a repetir às multidões prostradas. A minha autoridade surgia, na Igreja, como a de um Testamento Novíssimo. Eu era uma testemunha inédita da Paixão. Tornava-me S. Teodorico Evangelista!

A mais apaixonante das discussões à volta do Cristianismo será precisamente a da sua origem, para a qual existem múltiplas abordagens, desde a concepção tradicional, até às que negam a existência da personalidade histórica de Jesus. Entre as fontes de estudo dos primórdios do Cristianismo (que muitos entendem ser escassas e pouco fidedignas), contam-se os livros canónicos do Novo Testamento, os quais incluem os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, onde se narra a vida terrena de Cristo: sermões, milagres e outros acontecimentos extraordinários, morte e ressurreição. Apesar de a Igreja os considerar como sendo de inspiração divina (o que significa que contêm a Verdade), certos historiadores defendem que estes textos foram escritos somente em meados do sec. II e apresentam inexactidões (históricas, geográficas,...), afigurando-se mesmo contraditórios entre si. Acresce que terão sido objecto de redacções posteriores, enfermando por isso de correcções e de acrescentos.

Por forma a corroborar, ou não, as afirmações dos Evangelhos, aqui está um testemunho de peso: S. Teodorico Evangelista.

azuki
 
sábado, maio 05, 2007
 
cédula pessoal





Nome:Teodorico Raposo
Avô: Rufino da Conceição, padre
Avó: Filomena Raposo, a “Repolhuda”
Pai: Rufino da Assunção Raposo
Mãe: Rosa
Nascimento: Sexta-Feira da Paixão, à tarde.

AVERBAMENTO
Tia: Maria do Patrocínio, devota.

Nisto de conviver com uma personagem, nada como conhecer-lhe as origens.

caricatura daqui


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laerce
 
sexta-feira, maio 04, 2007
 
os preparativos

Muito bem! Estamos prestes a iniciar a nossa viagem à Palestina. Eça não nos apresenta um retrato muito atractivo da região (esqueçamos o nosso tempo). Um lugar agreste com um rio sujo e tímido, aparentemente pouco propício ao nascimento de uma religião. Quanto não vale o “Alentejo paterno” ou o verdejante Minho comparado com essa terra inóspita?
E como se não bastasse a aridez do espaço, parece que somos ainda obrigados a carregar dois embrulhos de “papel pardo”, segundo escreve o “douto Topsius”. Bem, nós não. Ele.

Reserve-se pois a heresia e, como diz o Gabriel, venha daí o Raposão!
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laerce
 
quinta-feira, maio 03, 2007
 
laerce, Cristina_pt, Joana, Gabriel, Castela, azuki… isto promete!
 
 
um tempo, dois tempos

Em 1875, nas vésperas de Santo Antonio, uma desilusão de incomparável amargura abalou o meu ser; por esse tempo minha tia, D. Patrocínio das Neves, mandou-me do Campo de Santana onde morávamos, em romagem a Jerusalém; dentro dessas santas muralhas, num dia abrasado do mês de Nizam, sendo Poncio Pilatos procurador da Judéia, Élio Lama, Legado Imperial da Síria, e J. Cairás, Sumo Pontífice, testemunhei, miraculosamente, escandalosos sucessos; depois voltei, e uma grande mudança se fez nos meus bens e na minha moral.

mais

A Relíquia, Introdução

Na introdução são lançados os dados, explicitadas as regras do jogo, estabelecido o pacto narrativo.Aceitamos?

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laerce
 
quarta-feira, maio 02, 2007
 
uma questão preparatória



Andrea Montegna



Rezam as histórias da literatura que Ernest Renan influenciou decisivamente Eça para o tema da trama narrativa que nos prenderá durante este mês, como teria influenciado muitas cabeças pensantes da época. Se assim foi, torna-se pertinente descobrir este senhor.



Atenção!!! carregar só se desejar ler o resumo de A Relíquia.

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laerce


 
terça-feira, maio 01, 2007
 
MAIO+EÇA DE QUEIROZ+ LP= A RELÍQUIA

Sobre a nudez forte da Verdade - o manto diáfano da Fantasia





Eça dispensa apresentações. Dos autores portugueses é aquele que todos conhecem ou dizem conhecer, e não é só pela obrigatoriedade de leitura de Os Maias no secundário que, como se sabe, é muitas vezes lido de viés, embora isso seja do “foro íntimo” de quem lê.
Eça não é o meu escritor português favorito. Aprecio as finas ironias, o estilo limpo e conciso, a crítica social,o verdadeiro “estado da nação” do século dezanove (?), o lamaçal das paixões humanas, a genuína arte de narrar com leveza e encanto, mas há muitos outros que me oferecem um panorama do século dezanove que muito me agrada descobrir. Falo de Camilo sem o Amor de Perdição, do Garrett sem As Viagens na Minha Terra, do Herculano sem Eurico, para referir os mais sonantes. Claro que se pode contrapor tratar-se de épocas diferentes; que o século dezanove é romântico primeiro e depois realista e que Eça é do depois. Sendo verdade, é sempre possível discutir a questão de escolas literárias e dentro das escolas os conceitos, as técnicas, os objectos, as modalidades e, no fim dessa discussão, agendar outra e outra e outra.
O que eu gosto mesmo é de ler, e A Relíquia foi simplesmente um dos livros de que mais gostei. Terei imenso gosto em revisitá-lo aqui com quem quiser partilhar esta leitura partilhada.
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laerce
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O QUE ESTAMOS A LER

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PROXIMAS LEITURAS

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LEITURAS NO ARQUIVO

"ULISSES", de James Joyce (17 de Julho de 2003 a 7 de Fevereiro de 2004)

"OS PAPEIS DE K.", de Manuel António Pina (1 a 3 de Outubro de 2003)

"AS ONDAS", de Virginia Woolf (13 a 20 de Outubro de 2003)

"AS HORAS", de Michael Cunningham (27 a 30 de Outubro de 2003)

"A CIDADE E AS SERRAS", de Eça de Queirós (30 de Outubro a 2 de Novembro de 2003)

"OBRA POÉTICA", de Ferreira Gullar (10 a 12 de Novembro de 2003)

"A VOLTA NO PARAFUSO", de Henry James (13 a 16 de Novembro de 2003)

"DESGRAÇA", de J. M. Coetzee (24 a 27 de Novembro de 2003)

"PEQUENO TRATADO SOBRE AS ILUSÕES", de Paulinho Assunção (22 a 28 de Dezembro de 2003)

"O SOM E A FÚRIA", de William Faulkner (8 a 29 de Fevereiro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. I - Do lado de Swann)", de Marcel Proust (1 a 31 de Março de 2004)

"O COMPLEXO DE PORTNOY", de Philip Roth (1 a 15 de Abril de 2004)

"O TEATRO DE SABBATH", de Philip Roth (16 a 22 de Abril de 2004)

"A MANCHA HUMANA", de Philip Roth (23 de Abril a 1 de Maio de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. II - À Sombra das Raparigas em Flor)", de Marcel Proust (1 a 31 de Maio de 2004)

"A MULHER DE TRINTA ANOS", de Honoré de Balzac (1 a 15 de Junho de 2004)

"A QUEDA DUM ANJO", de Camilo Castelo Branco (19 a 30 de Junho de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. III - O Lado de Guermantes)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2004)

"O LEITOR", de Bernhard Schlink (1 a 31 de Agosto de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. IV - Sodoma e Gomorra)", de Marcel Proust (1 a 30 de Setembro de 2004)

"UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES" e outros, de Clarice Lispector (1 a 31 de Outubro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. V - A Prisioneira)", de Marcel Proust (1 a 30 de Novembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA", de José Saramago (1 a 21 de Dezembro de 2004)

"ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ", de José Saramago (21 a 31 de Dezembro de 2004)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VI - A Fugitiva)", de Marcel Proust (1 a 31 de Janeiro de 2005)

"A CRIAÇÃO DO MUNDO", de Miguel Torga (1 de Fevereiro a 31 de Março de 2005)

"A GRANDE ARTE", de Rubem Fonseca (1 a 30 de Abril de 2005)

"D. QUIXOTE DE LA MANCHA", de Miguel de Cervantes (de 1 de Maio a 30 de Junho de 2005)

"EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO (Vol. VII - O Tempo Reencontrado)", de Marcel Proust (1 a 31 de Julho de 2005)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2005)

UMA SELECÇÃO DE CONTOS LP (1 a 3O de Setembro de 2005)

"À ESPERA NO CENTEIO", de JD Salinger (1 a 31 de Outubro de 2005)(link)

"NOVE CONTOS", de JD Salinger (21 a 29 de Outubro de 2005)(link)

Van Gogh, o suicidado da sociedade; Heliogabalo ou o Anarquista Coroado; Tarahumaras; O Teatro e o seu Duplo, de Antonin Artaud (1 a 30 de Novembro de 2005)

"A SELVA", de Ferreira de Castro (1 a 31 de Dezembro de 2005)

"RICARDO III" e "HAMLET", de William Shakespeare (1 a 31 de Janeiro de 2006)

"SE NUMA NOITE DE INVERNO UM VIAJANTE" e "PALOMAR", de Italo Calvino (1 a 28 de Fevereiro de 2006)

"OTELO" e "MACBETH", de William Shakespeare (1 a 31 de Março de 2006)

"VALE ABRAÃO", de Agustina Bessa-Luis (1 a 30 de Abril de 2006)

"O REI LEAR" e "TEMPESTADE", de William Shakespeare (1 a 31 de Maio de 2006)

"MEMÓRIAS DE ADRIANO", de Marguerite Yourcenar (1 a 30 de Junho de 2006)

"ILÍADA", de Homero (1 a 31 de Julho de 2006)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2006)

POESIA DE ALBERTO CAEIRO (1 a 30 de Setembro de 2006)

"O ALEPH", de Jorge Luis Borges (1 a 31 de Outubro de 2006) (link)

POESIA DE ÁLVARO DE CAMPOS (1 a 30 de Novembro de 2006)

"DOM CASMURRO", de Machado de Assis (1 a 31 de Dezembro de 2006)(link)

POESIA DE RICARDO REIS E DE FERNANDO PESSOA (1 a 31 de Janeiro de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 28 de Fevereiro de 2007)

"O VERMELHO E O NEGRO" e "A CARTUXA DE PARMA", de Stendhal (1 a 31 de Março de 2007)

"OS MISERÁVEIS", de Victor Hugo (1 a 30 de Abril de 2007)

"A RELÍQUIA", de Eça de Queirós (1 a 31 de Maio de 2007)

"CÂNDIDO", de Voltaire (1 a 30 de Junho de 2007)

"MOBY DICK", de Herman Melville (1 a 31 de Julho de 2007)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2007)

"PARAÍSO PERDIDO", de John Milton (1 a 30 de Setembro de 2007)

"AS FLORES DO MAL", de Charles Baudelaire (1 a 31 de Outubro de 2007)

"O NOME DA ROSA", de Umberto Eco (1 a 30 de Novembro de 2007)

POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE (1 a 31 de Dezembro de 2007)

"MERIDIANO DE SANGUE", de Cormac McCarthy (1 a 31 de Janeiro de 2008)

"METAMORFOSES", de Ovídio (1 a 29 de Fevereiro de 2008)

POESIA DE AL BERTO (1 a 31 de Março de 2008)

"O MANUAL DOS INQUISIDORES", de António Lobo Antunes (1 a 30 de Abril de 2008)

SERMÕES DE PADRE ANTÓNIO VIEIRA (1 a 31 de Maio de 2008)

"MAU TEMPO NO CANAL", de Vitorino Nemésio (1 a 30 de Junho de 2008)

"CHORA, TERRA BEM-AMADA", de Alan Paton (1 a 31 de Julho de 2008)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2008)

"MENSAGEM", de Fernando Pessoa (1 a 30 de Setembro de 2008)

"LAVOURA ARCAICA" e "UM COPO DE CÓLERA" de Raduan Nassar (1 a 31 de Outubro de 2008)

POESIA de Sophia de Mello Breyner Andresen (1 a 30 de Novembro de 2008)

"FOME", de Knut Hamsun (1 a 31 de Dezembro de 2008)

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"NA PATAGÓNIA", de Bruce Chatwin (1 a 28 de Fevereiro de 2009)

"O DEUS DAS MOSCAS", de William Golding (1 a 31 de Março de 2009)

"O CÉU É DOS VIOLENTOS", de Flannery O´Connor (1 a 15 de Abril de 2009)

"O NÓ DO PROBLEMA", de Graham Greene (16 a 30 de Abril de 2009)

"APARIÇÃO", de Vergílio Ferreira (1 a 31 de Maio de 2009)

"AS VINHAS DA IRA", de John Steinbeck (1 a 30 de Junho de 2009)

"DEBAIXO DO VULCÃO", de Malcolm Lowry (1 a 31 de Julho de 2009)

...leitura livre... de leitores amadores (1 a 31 de Agosto de 2009)

POEMAS E CONTOS, de Edgar Allan Poe (1 a 30 de Setembro de 2009)

"POR FAVOR, NÃO MATEM A COTOVIA", de Harper Lee (1 a 31 de Outubro de 2009)

"A ORIGEM DAS ESPÉCIES", de Charles Darwin (1 a 30 de Novembro de 2009)

Primeira Viagem Temática BLOOMSDAY 2004

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