Na Idade Média, os Milaneses eram valentes como os Franceses da Revolução, e mereceram ver a sua cidade completamente arrasada pelos imperadores da Alemanha. Desde que se tinham tornado fiéis súbditos, a sua principal preocupação consistia em imprimir sonetos sobre lencinhos de tafetá cor-de-rosa (...) Ia grande distância desses costumes efeminados às profundas emoções a que deu lugar a chegada imprevista do exército francês. Em breve surgiram novos e apaixonados costumes. Um povo inteiro deu conta, a 15 de Maio de 1796, de que tudo quanto respeitara até então era supremamente ridículo e por vezes odioso. A partida do último regimento austríaco marcou a queda das ideias antigas: arriscar a vida passou a ser moda. Viu-se que para se ser feliz, após séculos de hipocrisia e de sensações insípidas, era preciso sentir uma paixão real por alguma coisa e saber expor a vida quando a ocasião se apresentasse. Pela continuação do cioso despotismo de Carlos V e de Filipe II, os Lombardos tinham mergulhado numa noite profunda; derrubaram-lhes as estátuas, e encontraram-se de repente inundados de luz. (A Cartuxa de Parma)
Para muitos, Napoleão significou carisma, glória militar, capacidade de liderança e coragem; ele trouxe novos desígnios para o povo e para a Nação, tendo sido uma lufada de ar fresco numa França asfixiada por um regime caduco, um traço de virilidade a contrastar com as adiposidades das classes reinantes, um novo Alexandre comandando uma massa que se movimenta em uníssono. Napoleão foi dignidade, oxigénio, novidade, rumo, paixão, vitalidade, chegando a ser a viva representação dos ideais libertários e românticos da época.
Napoleão era grande e é inata a atracção humana pela grandeza: simpatiza-se com um génio, ainda que tenha péssimo feitio; gosta-se de um humanista, mesmo que seja um fraco pai de família; respeita-se um conquistador, esquecendo que se trata de um tirano. Com excepção dos que ultrapassaram a fronteira do horrendo, há inúmeros grandes Homens susceptíveis de nos provocarem um misto de admiração e de repulsa. O que move o nosso julgamento, para além da atracção pelo grande? Será a circunstância de sabermos que ninguém é perfeito e tendermos a valorizar certas características?; de existirem diversas formas de medir os méritos de alguém?; de a nossa leitura da personagem e da época não ser mais do que fragmentária?
Pelo seu brilhantismo, pela envergadura que deu à França, pelas marcas que deixou na História, e não obstante os defeitos e as consequências desastrosas de certos actos, a aura de Napoleão é enorme. Mixed feelings.
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